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Dez Vezes irão aos pobres, dez vezes encontrarão Deus
No âmbito do plano anual de atividades para 2023-2024, no passado 13 de janeiro de 2023, o Conselho Central Misto das Conferência de São Vicente de Paulo da Diocese de Viana do Castelo levou a cabo uma ação de formação para Vicentinos, com o título “Dez Vezes irão aos pobres, dez vezes encontrarão Deus”, realizada no Salão Paroquial da Paróquia de Santa Cristina de Meadela - Viana do Castelo, animada pelo Dr. Carlos Gomes Aguiar.
O orador iniciou a sua comunicação com a afirmação de St. Agostinho Silere non Possum!, “Não posso ficar em silêncio!”. Nenhum confrade Vicentino pode ficar calado perante qualquer injustiça humana, para estar bem com a sua consciência. O cristão deve ter uma prática consistente, para não ir com o Manel e vir com a Maria... É uma pessoa que sabe o que quer! E para onde vai! O seu tempo é o de hoje; por isso o cristão do tempo hodierno é um “pagão em conversão”, visto que não nasce cristão, vai-se sendo ao longo da vida, até ganhar a vida eterna.
Carlos Aguiar começou por abordar o conceito de pobre, que aparece definido de uma forma embusteira no dicionário e na infopédia da língua portuguesa: o pobre é aquele que tem poucas posses, necessitado, que mostra pobreza, mísero, miserável, que produz pouco, estéril, escasso, que inspira piedade, coitado, que é de pouco valor, sem qualidade...". As definições que aparecem nos dicionários descrevem o pobre como aquele que tem carência económica absoluta”.
Aguiar chama a atenção para que o pobre não é apenas uma pessoa que sofre, na carne e no espírito, os estigmas da fome. O pobre de hoje, mais do que da dor da falta de pão, sofre da dor dos espinhos cravados na carne das razões de viver que lhe faltam. O pobre é uma pessoa que comunica e dialoga; quantas vezes os pobres não têm a oportunidade de dialogar, de conversar, por não haver alguma pessoa com a capacidade de complacência para os escutar. O pobre é uma pessoa de emoções e comportamentos, sofre de pobreza, dado que a oferta da intervenção psicológica enferma por ser escassa e apressada. O pobre é um ser sociológico, que necessita de viver em comunidade e socializar; um ser espiritual/religioso que necessita de ser estimulado a contemplar e a se entusiasmar com tudo o que é belo no mundo da vida; tudo o que é belo é espiritual e promove um desenvolvimento integral e equilibrado do Self.
Carlos Aguiar elencou as várias dimensões da pobreza.
Diz que a sociedade portuguesa vai respondendo às carências alimentares. Mais ainda, existe muita pobreza térmica: “muitos portugueses passam frio, porque as suas casas, escolas, serviços. Instituições... não são aquecidas no inverno e arrefecidas no verão".
Mas há dimensões da pobreza emergentes, como sejam a pobreza material (ausência de emprego e oferta de subemprego) e a ocorrência de assédio moral laboral que, quantas vezes, escravizam a mão-de-obra estrangeira e dos mais vulneráveis da sociedade. Cada vez mais se verifica a existência da pobreza espiritual nas sociedades e comunidades, à medida que a Igreja vai colapsando: “há 20 anos atrás, não havia espaços vazios, nas suas Eucaristias dominicais”. À medida que as igrejas vão ficando vazias, aumenta o fenómeno da pobreza espiritual dos crentes e a indiferença perante a defesa dos valores da fé. O crente age e posiciona-se como o insensato, como se Deus não existisse no seu coração.
É um sinal de pobreza espiritual dos cristãos quando, perante o legislado contra a vida humana (aborto, eutanásia...) e contra os valores e símbolos da nossa identidade cultural cristã, ficam indiferentes. Quando os cristãos não denunciam e ficam em silêncio perante a violência dos símbolos, atentados contra a vida, e não “erguem a voz” são coniventes, porque não estão a ser capazes de ver a escrita de Deus, na natureza e nos acontecimentos históricos do Homem. Cada tempo gera a própria pobreza... Sempre que, neste caso, o cristão, o Vicentino, se cale perante a pobreza do seu tempo e não a levar em conta os danos que provoca no desenvolvimento da pessoa humana, está a contribuir e deixar que “um pouco de Deus morra, um pouco de Deus seja ferido”.
O nosso tempo fala-nos na dimensão da pobreza moral, visto que a “pessoa humana tem direito a viver e a morrer com dignidade”, em vez de ter direito à eutanásia.
Existe a pobreza relacional e efetiva nas sociedades que intitulam com o epíteto de “desenvolvidas”, nas quais as pessoas quase não se falam; como não se falam, não têm oportunidade de se amar. Logo, temos cada vez mais pobres com origem na falta de amor e atenção. Estamos perante o fenómeno da pobreza de atenção: os idosos vivem uma espécie de síndrome de orfandade de “pais e avós vivos”, que conduz à situação de solidão, a qual, por sua vez, pode constituir-se como mais uma causa de morte, biopsicossocial/espiritual.
Como diz o papa magno São João Paulo II, “Não é possível encontrar uma solução geral porque cada pessoa tem uma situação diferente, problemas diferentes e também necessidades diferentes; por isso, temos de procurar uma solução caso a caso, pessoa a pessoa...”.
O confrade Vicentino tem de fazer a síntese da dimensão da pobreza sob a bitola do conceito da multi-pluri-dimensão. Não se contentar somente em dar o cabaz mensal. Isso é muito fácil e também emancipa muito pouco a pessoa pobre. Terá de erguer a sua voz. Não pode calar-se, sempre que a emancipação do pobre esteja comprometida em todas as suas dimensões, biopsicossociais/espirituais. Será uma forma sublime de afirmar que acredita no Ressuscitado, em “Deus Caritas Est”.
Se o Vicentino observar, agir, e escutar com solicitude social, a realidade da pobreza, vai restituir uma vida com dignidade e sagrada ao pobre, escuta-te-Deus e fizeste como o-Deus-Filho. Vai ganhar a vida eterna! Como bem começa a Regra de São Bento: se o monge escutar Deus ao entrar no mosteiro, vai agir como Deus; se o monge escutou, se termina a regra, então ganhou (ganhaste) a vida eterna!
O papa Bento XVI aponta-nos como “um exemplo decisivo no exercício da solicitude pelos pobres, imagem de Jesus, que vem de uma pequena Irmã, Madre Teresa de Calcutá, o “Cristo que ela adorava e recebia na Eucaristia continuava a encontrá-Lo pelas ruas da cidade, tornando-se ‘imagem’ viva de Jesus que derrama sobre as feridas do homem a graça do amor misericordioso”.
Um bem-haja ao Dr. Carlos Aguiar.
Terminamos como começámos: Silere non Possum!